Blog Nathalia Bastos do Vale

Blog sobre biodireito, propriedade intelectual e sustentabilidade

Privacidade e proteção de dados pessoais

Um belo dia você acorda, toma seu café, começa a trabalhar e percebe que a sua impressora não funciona. Você então procura no Google a resposta para o problema e vê que não há alternativa: você vai precisar comprar outra. Então começa a fazer uma pesquisa de preço nos sites mais confiáveis. Mas não encontra o que procura. Você decide distrair um pouco a cabeça e entra no Instagram. Rolando o feed você percebe que começam a pipocar propagandas de impressoras de diversos sites, de diversos modelos, mostrando que sim, você precisa daquilo. Isso soa familiar para você? Se você tem acesso a um computador ou celular, tenho certeza que isso é rotina. Acontece o tempo todo, com todo mundo. As vezes nós nos sentimos vigiados em face a esse bombardeio de informações e anúncios. Diante disso tudo, você já se perguntou onde fica a nossa privacidade?

Bem, essa situação está estritamente vinculada com os dados pessoais que compartilhamos dia após dia nos diversos dispositivos eletrônicos que utilizamos. Nossa vida atual está sendo completamente tomada por tecnologias e nós nos sentimos cada vez mais vigiados, cada vez mais as nossas decisões são feitas sob influências de anúncios na internet. E nós não percebemos isso conscientemente, não, viu. É difícil manter o controle sobre todas as nossas decisões e sobre tudo o que acontece na nossa vida com os milhões de estímulos que recebemos diariamente.

Todos os dias nós compartilhamos nossas informações pessoais como nome, e-mail, data de nascimento para as mais diversas plataformas, empresas ou apps. Compartilhamos também uma infinidade de informações pessoais nas redes sociais. É selfie, é foto de cachorro, de gato, de comida, é postar o lugar onde estamos e com quem estamos, é curtir, compartilhar e comentar aquele vídeo informativo ou aquele engraçado, aquela foto bonita, aquela frase de efeito, aquele anúncio muito bem sacado. As vezes não temos consciência, mas todos esses comportamentos geram dados, geram informações valiosas que estão sendo utilizadas com os mais diversos propósitos, inclusive econômicos.

Os dados pessoais e as informações em geral estão sendo consideradas verdadeiros produtos. São objetos de contratos e transações comerciais. Por meio do uso de inteligência artificial, os dados coletados de uma pessoa podem revelar os seus interesses, suas tendências e seus gostos pessoais, ou seja, é possível fazer um perfil comportamental de uma pessoa por meio dos dados que ela compartilha na internet. E essas informações podem ser vendida para empresas, que conseguirão oferecer produtos e serviços adequados para os clientes certos, aumentando sua chance de contratação.

Nós temos a falsa ilusão que utilizamos aplicativos, principalmente as mídias sociais de graça. Eles não são gratuitos. Você só não paga em dinheiro, mas paga com o compartilhamento dos seus dados. O preço é mais alto do que imaginamos.

Esse cenário é muito mais complexo do que as situações que eu acabei de descrever e são assuntos para diversos posts. Então, eu decidi fazer uma série de posts sobre internet, inteligência artificial, dados pessoais e privacidade. Cada semana abordarei um tema diferente.

Hoje eu irei falar um pouco sobre o direito à privacidade e o direito à proteção de dados. É essencial tomar consciência da existência e da amplitude desses direitos, principalmente para que a gente possa exercer nossas escolhas com mais autonomia.

O que é o direito à privacidade?

A privacidade é a qualidade do que é privado, o que diz respeito a uma pessoa em particular. Essa é uma definição tirada de um dicionário, que também coloca como sinônimo de privacidade a intimidade pessoal, a vida privada ou particular. Será que a privacidade é só isso mesmo?

Bem, para o Direito, a noção de privacidade é um pouco mais complexa e envolve alguns conceitos importantes. Em primeiro lugar, é importante destacar que a privacidade é um direito fundamental presente na nossa Constituição de 1988. O artigo 5º, inciso X, dispõe que a vida privada, a intimidade, a honra e a imagem de uma pessoa são invioláveis. Além disso, o inciso XII também protege o sigilo das correspondências pessoais e das comunicações em geral.  

Essas disposições constitucionais revelam que o Direito protege a vida particular das pessoas. Ou seja, todos nós temos o direito de ficarmos sós, sem exposição, de termos assuntos particulares. Podemos nos separar do ambiente público, preservar nossa intimidade, nossa identidade. Nós temos o direito de não compartilhar a nossa vida com os outros ou com o Estado. Temos a autonomia e a liberdade de decidir o que compartilhar e o que não compartilhar.

O direito à privacidade é um verdadeiro direito de personalidade. Os direitos de personalidade são aqueles direitos essenciais do ser humano. Eles existem pelo simples fato de uma pessoa nascer, viver e morrer (como direito à vida, dignidade, integridade física, honra…). E sendo um direito de personalidade, existem duas formas de exercer o nosso direito de privacidade, segundo Bruno Torquato de Oliveira Naves e Maria de Fátima Freire de Sá:

  1. Exercício positivo – corresponde à livre condução da própria vida, ou seja, escolher o que expor para as pessoas, decidir quais ideias compartilhar, quais trabalhos e também o que deixar público;
  2. Exercício negativo – corresponde ao direito de se manter só, em recolhimento, de escolher o que não expor ao público.

Quando falamos em privacidade, algumas noções se misturam. São elas a vida pública, a vida privada e a vida íntima. Estas são noções distintas e é importante entender o que significa cada uma delas.

Vida pública x vida privada x vida íntima

celular mostrando uma tela com cadeado

A vida pública é aquela que envolve aspectos que compartilhamos com a sociedade em geral. Associamos a noção de vida pública com algumas pessoas que tem certa influência na sociedade, como políticos, atores, cantores, apresentadores de TV, jornalistas.

O fato de uma pessoa ter uma vida pública, ter um reconhecimento da sociedade ou compartilhar de forma excessiva a sua vida, não significa que a vida dela é completamente aberta às pessoas. E muito menos significa que alguém pode se intrometer em aspectos privados da vida da pessoa, ou se sentir no direito de exigir informações particulares dessas pessoas.

Todos nós temos a nossa vida privada, inclusive as “pessoas públicas”. A vida privada envolve os aspectos da nossa identidade e da nossa individualidade. Na vida privada nós preservamos os nossos aspectos particulares, que não queremos divulgar para a sociedade. Ela envolve as nossas relações pessoais com família e amigos também. Com eles compartilhamos nossa vida privada, com a sociedade não. Como já disse, a vida privada é um direito. E isso significa que ela não pode ser violada sem nosso consentimento, não é possível haver intromissão de nenhuma forma.

Além da vida privada, existe ainda uma esfera um pouco mais restrita, que é o que chamamos de vida íntima. Nesta vida íntima, desenvolvemos a intimidade, que é uma relação da pessoa consigo mesma. É um aspecto pessoal mais profundo. Na vida íntima estão questões sobre autoconhecimento, sentimentos e segredos. Ou seja, questões que desejamos manter com a gente mesmo. Não há nem mesmo o compartilhamento dessas questões com as pessoas que participam da nossa vida privada.

Você pode estar se perguntando o que isso tem a ver com o cenário de compartilhamento de dados que eu expliquei lá em cima. Tem tudo a ver! A nossa privacidade deve ser preservada e muitas vezes, ao compartilhar nossos dados, nós não temos noção de como esses dados estão sendo usados. E sim, há um risco grande da nossa privacidade estar sendo violada por conta da má utilização de dados pelas empresas. E, por isso, hoje se fala, também, sobre o direito à proteção de dados.

Qual a diferença entre direito à privacidade e direito à proteção de dados?

Dados

Percebemos que o direito à privacidade tem como objetivo delimitar aquilo que é público daquilo que é privado ou íntimo. A privacidade visa preservar o indivíduo contra intromissões indevidas de outras pessoas e do próprio Estado.

A privacidade, por colocar limites, é uma liberdade negativa. Isso porque ela impõe condutas negativas as pessoas e ao Estado, ou seja, condutas de não fazer. Por exemplo, não intromissão, não violação, não abuso, respeito.

O direito à proteção dos dados pessoas é um direito mais novo. Ele nasce depois do direito de privacidade. Ele é consequência da nossa sociedade atual, a sociedade da informação. Hoje não vivemos sem computadores, sem apps de celulares, sem mídias sociais. E em todo momento estamos compartilhando nossos dados pessoas. Nossos nomes, idade, e-mail, CPF, identidade. E todos esses dados vão para bancos de dados muito longe do nosso alcance. Não sabemos o que acontece depois.

O compartilhamento e armazenamento de dados pessoais dá muito poder a quem os controla. O potencial de manipulação e controle das pessoas é muito grande. Isso representa um risco enorme à nossa privacidade, à nossa individualidade e à nossa dignidade como pessoas. Por isso a necessidade de proteger esses dados.

O direito à proteção de dados é um direito positivo, ou seja, impõe a necessidade de se praticar condutas, não se abster. O direito à proteção de dados demanda a tomada de atitudes em prol da preservação da privacidade, da autonomia e da liberdade das pessoas. Essas atitudes são, por exemplo, a adoção de sistemas de segurança para a proteção do indivíduo sempre que seus dados são coletados, a regulação de normas de conduta para empresas e demais pessoas que utilizam dados, a fiscalização dessas empresas pelo Estado, dentre outros.

A proteção de dados, no Brasil, é feita primordialmente pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, que foi sancionada na última sexta-feira. Essa lei tem como objetivo diminuir a vulnerabilidade das pessoas que tem seus dados pessoais coletados. Ou seja, a lei quer que as pessoas entendam a importância dos dados e tenham consciência do que as empresas fazem com eles. Por isso, um dos pilares da lei é a transparência.

A proteção de dados pessoais é um tema urgente e essencial. Ele não afeta somente os advogados ou os empresários que agora precisam seguir uma regulamentação. Ela também envolve os consumidores, clientes, usuários. É necessário conscientizar as pessoas sobre a importância de seus dados pessoais e como eles estão sendo utilizados, principalmente por empresas.

Nas próximas semanas abordarei um pouco mais sobre esse assunto, explicando o básico sobre a LGPD. Aguardem!

Referências:

“Análise comparativa entre direito à privacidade e direito à proteção de dados pessoais e relação com o regime de dados públicos previsto na Lei Geral de Proteção de Dados”. Gabriela Machado Vergili (acesse aqui).

“Direito Constitucional”. Kildare Gonçalves Carvalho (livro, compre aqui).

“Direitos da personalidade”. Bruno Torquato de Oliveira Naves e Maria de Fátima Freire de Sá (livro, compre aqui).

“Direito à privacidade”. Alessandro Hidrata (acesse aqui).

“Fundamentos da LGPD – O Respeito à Privacidade”. João Saldanha (acesse aqui).

Nathalia Bastos do Vale

Olá, eu sou a Nathalia, advogada e mestre em Direito Ambiental. Sou apaixonada por direito, sustentabilidade, tecnologia e design. Neste blog pessoal você encontra conteúdos aprofundados e didáticos sobre tudo que envolve o Direito e a inovação.

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