Blog Nathalia Bastos do Vale

Blog sobre biodireito, propriedade intelectual e sustentabilidade

Princípios da Bioética e do Biodireito

Estamos vivendo um dos grandes desafios do nosso tempo, uma pandemia que se tornou uma das maiores emergências sanitárias do nosso século. Os impactos na saúde, na economia e o distanciamento social está causando a sobrecarga nos sistemas de saúde, a perda de empregos e consequentemente afeta o bem-estar e a saúde mental das pessoas.

Uma nova dinâmica de vida nos está sendo imposta e mais do que nunca é necessária uma mobilização de todos os setores da sociedade. Questões e dilemas emergem dessa situação, o que faz com que seja preciso discutir sobre prioridades, e a que está sendo o maior foco de polêmica é a questão da proteção da saúde e a necessidade de minimizar impactos econômicos.

Vou citar aqui um documento escrito pelo Grupo Europeu de ética na ciência e novas tecnologias chamado “Statement on European Solidarity and the Protection of fundamental Rights in the COVID-19 Pandemic”, que trouxe diversas diretrizes que deveriam ser levadas em conta no enfrentamento do Covid-19. O primeiro ponto é a questão da solidariedade entre as pessoas, pois nem todos são afetados da mesma forma pela pandemia, alguns tem acesso a sistemas de saúde, outros não, uns tem casas confortáveis e outros vivem confinados em lugares muito pequenos ou mesmo moram na rua, então as pessoas precisam pensar no coletivo e adotar comportamentos que serão benéficos para toda sociedade. Eles também apontam que a proteção da saúde humana é a maior prioridade agora, portanto, é necessário fortalecer cada vez mais os sistemas de saúde e tomar providências sanitárias mais severas, mesmo que prejudiciais à economia. Por isso, auxílio financeiro e investimento em pesquisa, inovação e tecnologia para enfrentar a crise também são medidas importantes.

Mesmo que a saúde e a proteção da vida sejam as prioridades no momento, a sobrecarga nos sistemas de saúde está causando situações de difícil solução. Por exemplo, na Itália, não há possibilidade de tratamento para todos, o que fez com que se decidisse por deixar sem tratamento os pacientes maiores de 80 anos infectados. Essa é uma questão que envolve a necessidade de se discutir os princípios que regem a vida em toda sua dignidade, em que princípio ou norma nós podemos basear para tomar tal decisão? Tempos difíceis e decisões difíceis.

Diante desse cenário, a discussão bioética é cada vez mais necessária. Precisamos enfrentar dilemas éticos de saúde pública, garantir a dignidade humana e também repensar as relações do ser humano com o meio ambiente. Por isso, creio ser importante conhecer os princípios que regem a bioética e o biodireito para que a gente tenha uma base para discutir os temas mais complexos que com certeza enfrentaremos, sendo eles decorrentes da crise do Covid-19 ou não.

Os princípios são os comandos normativos que regem uma sociedade, um ordenamento jurídico, ou um ramo do conhecimento. Os princípios da Bioética e do Biodireito são as diretrizes que guiam as discussões e a regulamentação dos desafios que envolvem a vida humana, o meio ambiente e as novas tecnologias.

É importante distinguir os princípios da bioética e do biodireito, pois eles possuem um escopo diferente. A bioética, como ramo da ética, tem princípios que refletem valores e não possuem carga normativa alta. Eles são comandos abertos que tem por objetivo a maximização do bem. Já os princípios do biodireito visam resolver problemas jurídicos, portanto, tem carga normativa alta, ou seja, são verdadeiras regras que devem ser observadas pelo Direito.

Vamos então analisar primeiro os princípios da bioética e depois os do biodireito.

Princípios da Bioética

Os princípios da Bioética têm sua origem no relatório Belmont de 1978, documento elaborado pela Comissão Nacional para a Proteção dos Interesses Humanos de Biomédica e pesquisa Comportamental dos Estados Unidos, e são eles: beneficência, autonomia e justiça.

Beneficência

Beneficência significa fazer o bem. Esse princípio, então, reflete a necessidade dos profissionais da saúde e biólogos empreguem esforços para garantir os melhores benefícios ao ser pesquisado. Como consequência da beneficência, temos a não maleficência, que envolve a necessidade de não fazer o mal. Ou seja, o princípio envolve todas as ações ou omissões que os profissionais devem adotar para garantir o bem-estar físico e psíquico do ser humano e de outras espécies.

Fazer o bem ou se omitir em causar o mal envolve práticas como a aplicação de procedimentos que beneficiem o paciente, abster-se de utilizar procedimentos duvidosos que não tragam benefícios. Há também a imposição de não realizar procedimentos e cirurgias em pesquisas que utilizam animais se esses procedimentos são puramente especulativos e não apresentem vantagens para o animal.

Autonomia

Esse princípio reflete o reconhecimento de que o indivíduo tem a capacidade de se autogovernar sem influências externas indevidas. Deve-se, portanto, respeitar a capacidade de decisão e ação de cada ser humano.

Por exemplo, na relação médico-paciente, o princípio da autonomia deve ser respeitado na medida do possível. O processo de intervenção médica deve ser transparente e o paciente deve ter as informações necessárias para conseguir tomar a sua decisão. Isso é o que se chama de consentimento informado.

A autonomia faz parte da dignidade humana e deve ser, assim, respeitada.

Justiça

O princípio da justiça envolve a proteção do ser humano em sua coletividade e em relação ao meio ambiente. Pela justiça, impõe-se o dever de garantir a vida digna e saudável aos indivíduos e às coletividades.

Todas os procedimentos médicos, todas as pesquisas científicas que envolvem a vida e todas as tecnologias que impactam a vida natural devem se pautar na busca pela maximização dos benefícios e a minimização de custos, que são não só financeiros, mas sociais, emocionais e físicos. Esse princípio lida com as questões de funcionalidade e eficiência na administração de recursos escassos, como é o caso do sistema de saúde, por exemplo. Deve-se buscar a imparcialidade na distribuição dos riscos e benefícios e assim, a partir desses princípios, questionamos os limites dos avanços da ciência, e debatemos o que pode ser considerado abusivo e o que de fato é benéfico para a sociedade.

Princípios Biodireito

Os princípios do Biodireito, ao contrário da Bioética, não possuem uma definição clara dentre os estudiosos, assim, optei por abordar os seguintes: precaução, autonomia privada, responsabilidade e dignidade humana.

Precaução

O princípio da precaução envolve uma limitação à atuação do profissional, seja médico, cientista ou biólogo, no sentido de que ele deve tomar providências de precaução caso tenha dúvidas a respeito dos possíveis riscos de danos graves ou irreversíveis. O princípio da precaução trabalha com probabilidades pois, mesmo que o dano não seja de fato conhecido e esperado, é necessário tomar medidas antecipadas. A precaução é diferente da prevenção, pois essa importa na adoção de medidas para evitar danos já conhecidos e esperados. Na precaução impede-se determinadas atividades mesmo sem ter a certeza de que haverá prejuízos.

A precaução é utilizada principalmente para tratar questões ambientais, mas também pode ser transferida para atividades como a medicina, o desenvolvimento de remédios, testes e pesquisas científicas.

Autonomia privada

A autonomia privada refere-se à capacidade do sujeito de autodeterminar-se, definindo as regras que irão reger suas condutas e os diferentes aspectos da sua vida. É a qualidade de uma vontade livre, permitindo aos indivíduos buscar, do modo que acharem mais adequado, o seu bem-estar.

A autonomia privada permite ao ser humano agir conforme sua compreensão de mundo, podendo realizar as escolhas que achar pertinentes, desde que se oriente pela conformidade ao Direito. Como capacidade de autodeterminar-se, o ser humano tem a autonomia de escolher as ações praticadas e assumir os riscos que essas ações podem causar.

Responsabilidade

O princípio da responsabilidade demonstra que cada pessoa possui deveres jurídicos relativos à satisfação de obrigações convencionadas e deveres impostos por leis que geram penalidades caso descumpridos. Pela responsabilidade, os seres humanos devem compreender os atos que praticam e aceitar as suas consequências.

Dignidade humana

A dignidade da pessoa humana se refere ao valor intrínseco que todo indivíduo possui pela sua condição humana, independentemente de sexo, idade, saúde, condição econômica, nacionalidade, religião, o que demanda um respeito abrangente e sem restrições. O ser humano tem valor em si mesmo, não pode ser mercantilizado, ou seja, o homem é um fim em si mesmo e não pode ser tratado como um meio para atingir interesses alheios. Assim, a dignidade pode ser encarada como uma qualidade intrínseca do ser humano, o que exige o respeito pela sua vida, liberdade, integridade física e moral. Assim, a dignidade enseja a existência de direitos essenciais que visem impedir a coisificação do indivíduo, garantindo-lhe autonomia.

A dignidade da pessoa humana é uma importante noção para o biodireito pois está presente nas discussões que se desenvolvem frente ao risco das pesquisas genéticas, alterações do genoma humano, clonagem e os perigos que o desenvolvimento da biotecnologia como um todo suscita.

Para finalizar, é importante perceber que os princípios da bioética e do biodireito oferecem a base para a discussão e posteriormente a solução de qualquer questão ou problema bioético. No contexto dos novos desafios que surgem, é necessário utilizar os princípios como diretrizes jurídicas, pois nem sempre existem leis para regulamentar todos os casos específicos que surgem. E é importante lembrar que a vida e sua existência com dignidade é a reflexão central da bioética e do biodireito.

Nathalia Bastos do Vale

Olá, eu sou a Nathalia, advogada e mestre em Direito Ambiental. Sou apaixonada por direito, sustentabilidade, tecnologia e design. Neste blog pessoal você encontra conteúdos aprofundados e didáticos sobre tudo que envolve o Direito e a inovação.

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