Clonagem humana. Alimentos transgênicos. Manipulação genética. Células-tronco. Terapia gênica. Pesquisas em seres humanos. Cyborgues humanos. Reprodução humana assistida. Todos já nos deparamos com notícias e fatos polêmicos envolvendo esses assuntos de biotecnologia. A ciência e a tecnologia vêm se desenvolvendo muito rapidamente, trazendo benefícios à sociedade, pois estão diretamente ligadas à inovação, à busca de soluções e respostas criativas e eficazes aos problemas. Mas será os avanços científicos são só flores?
Bem, percebo que ao mesmo tempo em que a ciência e a tecnologia demonstram a grandiosidade do intelecto humano, elas também nos fazem sentir impotentes frente ao poder que ela carrega consigo, e a imprevisibilidade de suas consequências. A sensação do risco e da insegurança são presenças inerentes aos avanços que vivenciamos dia após dia. E isso gera questionamentos sobre os poderes e os limites que estão sendo diariamente ultrapassados pelos pesquisadores e cientistas.
Invariavelmente, os avanços científicos e tecnológicos que mais causam inquietação são aqueles que de alguma forma afetam a vida, seja ela humana ou não. E o ramo da tecnologia que está diretamente ligado à vida é a biotecnologia. Esse é um campo fértil de questões, dúvidas e polêmicas que permeiam a bioética e o biodireito. E, por ser tão relevante, hoje vamos falar um pouco sobre o que é a biotecnologia e seus principais impactos éticos e jurídicos.
O que é biotencnologia?
O termo biotecnologia tem origem nas palavras gregas: “bios”, que significa vida,“tecno”, que se refere à arte ou ciência e “logia”,que significa estudar. Este termo foi criado pelo engenheiro húngaro Karl Ereky, em1971. Ereky trabalhava em experimentos de criação de suínos alimentados por beterrabas cultivadas com determinados tipos de micro-organismos. Ele criou esse termo para se referir à tecnologia que aplica certas técnicas para produzir produtos com a ajuda de organismos vivos. Entretanto, a primeira definição oficial do termo foi elaborada pelo U.S. Office of the Technology and Assessment, que explica a biotecnologia como o conjunto de técnicas que utilizam organismos vivos ou partes destes para produzir ou modificar produtos, para aperfeiçoar plantas ou animais ou para desenvolver microrganismos destinados a aplicações específicas.
A biotecnologia é um ramo da ciência que utiliza conhecimentos interdisciplinares, com ampla aplicação em setores ligados à medicina, à farmácia, à indústria de cosméticos, à indústria alimentícia, à agricultura, à pecuária e ao meio ambiente.
Apesar do termo biotecnologia ter se originado no século passado, existem registros de utilização e manipulação de organismos vivos desde os mais remotos tempos. A história da biotecnologia pode ser dividida em 5 fases principais:
- 1ª fase: inicia-se no século XIX, e a principal atividade era o estudo e a manipulação de microrganismos para aplicação no processo de fermentação de alimentos.
- 2ª fase: corresponde à década de 1940 e foi marcada pelos estudos e produção de antibióticos, além da produção de variados tipos de vitaminas.
- 3ª fase: ocorre nos anos 50, onde ocorreram grandes avanços no estudo e compreensão do metabolismo dos seres vivos.
- 4ª fase: é consequência direta da terceira fase e tem seu lugar nos anos 60. O estudo do metabolismo dos seres vivos contribuiu diretamente para a compreensão da genética molecular dos organismos vivos.
- 5ª fase: tem lugar nos anos 70 e perpetua-se até os dias atuais. A partir dessa fase, é possível observar um avanço exponencial nos estudos sobre a biotecnologia e a sua aplicação. O mais marcante é o início dos estudos de mapeamento e sequenciamento do DNA. Como exemplo, temos o Projeto de Genoma Humano, que teve início na década de 90 e gerou como resultado o mapeamento e sequenciamento de todos os genes humanos.
E o que, de fato, a biotecnologia estuda? Podemos dizer que a biotecnologia envolve o estudo da fermentação, da cultura de tecidos e a genética molecular. A fermentação envolve a manipulação de genes para a obtenção de enzimas que produzem álcool, antibióticos, metano, dentre outras substâncias. Já a cultura de tecidos realiza o estudo e a manipulação de células vegetais, que pode resultar em melhoramentos de plantas e outras espécies de vegetais. E, por fim, a genética molecular diz respeito ao estudo das células vivas, seu metabolismo e reações químicas em geral, podendo haver também o sequenciamento de genes e a manipulação genética para criar novos organismos vivos, por exemplo.
A pesquisadora Patrícia Del Nero, em seu livro “Biotecnologia: análise crítica do marco jurídico regulatório”, relata que a biotecnologia:
“trata-se de uma modalidade tecnológica capaz de traduzir os anseios de seus idealizadores no que se refere à prevenção, ao combate das doenças, novos produtos e processos capazes de inovar consideravelmente o meio de produção, alterando substancialmente o ambiente industrial. Inicialmente era apenas um sonho, uma possibilidade, uma forma ‘futurista’ de engenho concebido pelo intelecto humano. Entretanto, na atualidade, deflagra-se como uma realização concreta, cujos efeitos e impactos afetam inúmeros setores industriais e a vida das pessoas: a práxis social. […] O século XXI traz consigo a aceleração da tecnologia, a aceleração dos embates cotidianos e, sobretudo, a aceleração imposta por meio da biotecnologia em diversos cenários: do laboratório, da indústria e do consumo, de um modo geral, bem como do meio ambiente.”
Por meio da biotecnologia, temos muitos benefícios, como a criação de vacinas que diminuem o impacto de várias doenças; melhoramentos na agricultura, com a criação de alimentos mais nutritivos; avanços nos processos de diagnósticos de doenças; desenvolvimento de terapias gênicas, que ajudam a tratar doenças por meio do uso de genes sadios para curar os genes “doentes”; reprodução humana assistida. Porém, ao mesmo tempo temos a insegurança quanto aos malefícios dos alimentos transgênicos, temos as questões éticas que envolvem a manipulação genética e criação de novos seres vivos manipulados, sem falar da polêmica que envolve a utilização de células-tronco de embriões não fertilizados.
Assim, será que os avanços da biotecnologia são sempre benéficos? É uma questão que inquieta não só os pesquisadores, mas também a sociedade como um todo.
Impactos éticos e jurídicos
O rápido avanço nas pesquisas e na aplicação de produtos ou processos biotecnológicos na indústria em geral, culmina em várias implicações e questões, que passam pela ética, pelo direito, economia, e o meio ambiente. Um dos mais importantes pontos a serem levados em consideração é a percepção social da biotecnologia. A opinião pública vê a biotecnologia como um importante instrumento para melhorar a qualidade de vida, mas ao mesmo tempo é considerada como potencialmente perigosa para os seres humanos e o meio ambiente, além da possibilidade da prática de abuso nas pesquisas.
Muitas questões éticas emergem desse cenário de benefícios e incertezas. Dentre elas, o papel que o ser humano está desempenhando na evolução natural dos seres vivos. Quais são os limites para a intervenção humana no meio ambiente, nos animais e em outros seres humanos?
A biotecnologia possui diversas implicações e gera impactos sobre o meio ambiente, sobre a segurança alimentar e sobre a saúde pública.
A questão da biotecnologia e do meio ambiente, centra-se na dicotomia entre a necessidade de se preservar a biodiversidade, mantendo o meio ambiente equilibrado e a exploração da tecnologia e a garantia do desenvolvimento econômico. Há que se realizar uma reflexão ética no sentido de se delimitar o que seriam os usos aceitáveis e os negativos da biotecnologia, ponderando-se as utilidades sociais e benéficas ao ser humano e os riscos que estas podem acarretar ao meio ambiente. Portanto, é necessário se pensar em biossegurança.
Outro ponto de interesse é a questão da segurança alimentar. Um dos fundamentos da aplicação da biotecnologia na alimentação é o fato de que a biotecnologia pode aumentar os níveis de produção da agricultura, com a criação de vegetais mais resistentes à praga por exemplo. Entretanto, não se sabe os impactos que esses alimentos geneticamente modificados podem trazer para a saúde das pessoas. Neste âmbito, a discussão ética vem para tentar encontrar um consenso entre o progresso científico, materializado no cultivo em massa de transgênicos e a cautela em utilizá-los na alimentação, devido a inexistência de estudos suficientes a respeito dos seus efeitos na saúde humana.
Além disso, outros dilemas éticos e jurídicos se formam em torno dos avanços da biotecnologia. É interessante citar alguns deles:
- Manipulação genética de seres humanos e animas e a criação de seres híbridos;
- Clonagem humana e animal;
- Manipulação genética humana e possibilidade de escolha de características fenotípicas, levando ao que se chama de neoeugenia;
- A aplicação de engenharia genética e a criação de cyborgs humanos, que gera o questionamento: até onde vai a condição humana?;
- Mercantilização do corpo humano e as patentes sobre o genoma;
- Patentes biotecnológicas e apropriação da vida;
- Tecnologias para saúde humana, os riscos inerentes aos tratamentos e a responsabilidade do médico;
- Reprodução humana assistida e questões sobre a intimidade do doador de gametas, o descarte de embriões, doação temporária de útero e reprodução assistida após a morte;
- Experimentação com células-tronco embrionárias;
- Organismos geneticamente modificados, biossegurança e rotulagem de alimentos.
Todas essas questões são relevantes para a bioética e o biodireito, pois envolvem a relação entre a vida e a tecnologia. É perceptível que a sociedade tem interesse no desenvolvimento da biotecnologia, pois os avanços e benefícios que ela traz são extremamente relevantes para o bem-estar e o desenvolvimento econômico. Entretanto, não se pode deixar de lado os dilemas éticos que ela traz consigo.
Assim, à bioética é relevante tratar sobre os limites éticos que envolvem as pesquisas e a aplicação de novas tecnologias. E para o biodireito, é importante regulamentar a atuação dos laboratórios e pesquisadores, bem como resguardar os impactos ambientais das tecnologias criadas e proteção do ser humano. E a finalidade do biodireito é elaborar normas reguladoras, de forma a fortalecer a biotecnologia e promover inovações de um lado, e também respeitar os limites éticos e morais do outro, garantindo a proteção do ser humano e também do meio ambiente.
Ainda estamos longe de criar um marco regulatório que seja satisfatório para responder todos os questionamentos que possuímos. E essa é, de fato, uma tarefa difícil, pois a cada dia se cria uma tecnologia nova, que traz consigo mais um desafio para o direito. Dessa forma, a discussão bioética sobre a biotecnologia deve ser profunda e incessante, transformando-se a medida em que os novos questionamentos surgem.
Agora eu quero saber: quais dessas questões polêmicas mais te atraem e te interessam? Deixe nos comentários!