Blog Nathalia Bastos do Vale

Blog sobre biodireito, propriedade intelectual e sustentabilidade

Tecnologias de fronteira: entenda a internet das coisas

Dias atrás eu estava assistindo a uma série chamada Modern Family (que eu adoro!) e um episódio me chamou muita atenção. Um casal comprou uma geladeira inteligente que tinha várias funcionalidades. Ela fazia lista de compras, fazia sugestões de receitas, ensinava a receita, mostrava a previsão do tempo e… conversava! O casal acabou se apegando à geladeira porque ela, além de ouvi-los, ela entendia seus hábitos e compreendia as necessidades de cada um deles, o que acabou gerando ciúmes e briga entre os dois. A série é de comédia e o episódio é hilário e obviamente meio exagerado. Porém, não está nada longe da nossa realidade de hoje, graças à internet das coisas.

Vamos olhar para a nossa realidade aqui. Quem nunca se apegou ao próprio celular? Sua vida tá praticamente toda ali, não é mesmo? E além do celular temos os nossos computadores, relógios inteligentes, smart TVs que vêm tomando conta do nosso cotidiano e modificando as nossas relações com os objetos. A internet das coisas faz parte da nossa vida!

A internet das coisas está ligada à capacidade de certos objetos do nosso dia-a-dia se conectarem à internet ou se conectarem entre si, aumentando o seu uso e funcionalidade. Temos o celular que se conecta ao carro e você pode fazer ligações usando comando de voz, temos as smarts TV, as casas inteligentes que possuem funcionalidades como regulagem de luz e temperatura por comando de voz. E indo um pouco além, a internet das coisas é também vista na cidade com os ônibus inteligentes ou que tem monitoramento em tempo real e compartilham a sua localização e horários com os passageiros.

Neste quarto artigo sobre as tecnologias de fronteira, vamos entender o que é a internet das coisas, qual a aplicação e quais os riscos que ela gera.

O que é internet das coisas?

De acordo com a legislação brasileira, a internet das coisas ou IOT (do inglês internet of things) é “a infraestrutura que integra a prestação de serviços de valor adicionado com capacidades de conexão física ou virtual de coisas com dispositivos baseados em tecnologias da informação e comunicação existentes e nas suas evoluções, com interoperabilidade”. Meio complicado essa definição, mas te garanto que não é difícil entender o que é a IOT.

A IOT, ou internet das coisas, envolve a integração do mundo físico com o virtual, ou a internet. É uma abordagem que entende que os objetos do nosso dia-a-dia têm o potencial de se conectar à internet e, assim, terem a possibilidade de serem acionados, utilizados e fornecendo dados. Na internet das coisas, qualquer coisa concreta pode ser conectada a outras coisas usando a internet ou outras formas de conexão.

Isabela Cristina Sabo e Aires José Rover explicam que a IOT consiste em transformar as coisas em minúsculos computadores, fazendo com que elas se tornem “coisas inteligentes”.

A internet das coisas funciona por meio de conexões. A conexão dos objetos com a internet, a conexão da internet com as pessoas e, assim, a conexão das pessoas com as coisas. Podemos perceber que

a internet já é o mais complexo artefato que o homem já criou e a IOT vai além disso. A IOT altera o modo de interação das pessoas com as coisas, equipamentos, artefatos e objetos naturais.

Jeroen van den Hove

Como funciona?

Para a internet das coisas funcionar, é preciso adotar um modelo de conexão ou comunicação. Uma das formas de comunicação é device-to-devide, ou dispositivo para dispositivo. Nesse tipo de conexão, dois objetos se conectam de forma direta, sem intermediário. Por exemplo, quando você conecta seu celular ao carro por meio do bluetooth.

Outra forma de conexão é o device-to-cloud, ou dispositivo para a nuvem. Nesse tipo de comunicação, é necessário um intermediário para conectar duas coisas. Geralmente o intermediário é a internet e, no caso, os objetos estão conectados a uma rede de wi-fi. As smart Tvs são um exemplo. Elas se conectam no wi-fi da casa e respondem aos comandos dados pelo usuário, e a partir disso você consegue assistir à Netflix ou Youtube por exemplo.

A internet das coisas possui ainda outras formas de comunicações, as quais não vou citar. Aqui é interessante notar que esses modelos de comunicação agregam muito valor para o usuário. A funcionalidade das coisas passa ser potencializada com as diferentes conexões, facilitando a vida das pessoas e tornando-as mais dinâmicas. A seguir, veremos alguns tipos de aplicações da internet das coisas.

Aplicação da Internet das coisas

A IOT pode ser aplicada a diversos cenários, por exemplo:

  • Equipamentos pessoais – por exemplo relógios inteligentes como o apple watch que monitoram diversos dados como batimentos cardíacos, calorias gastas, passos dados, etc. Existem equipamentos que podem também monitorar doenças, melhorar o bem-estar e a produtividade.
  • Casa – controles usados em casa para acender e apagar luzes, ligar o aquecimento, colocar música ambiente, sistemas de segurança, dentre muitos outros usos.
  • Mobilidade urbana – ônibus inteligentes que conseguem transmitir em tempo real a sua localização e auxiliar as pessoas a terem uma noção de quando o ônibus chegará a um determinado destino ou quando chegará nas paradas. Além disso, há a cobrança inteligente no transporte público, com o uso de cartões que identifica o usuário e faz subtrações no saldo quando utilizado ( o move aqui de BH tem todas essas funcionalidades).
  • Assistentes inteligentes – esses equipamentos recebem comandos de voz dos usuários e realizam a automação de tarefas como fazer ligações telefônicas, tocar música, agendar compromissos, chamar um uber, além de várias outras. Um exemplo é o Echo da Amazon, cuja Inteligência Artificial se chama Alexa.
  • Agricultura – a IOT chegou também no setor agrícola. Um exemplo são as estufas inteligentes que são equipadas com vários sensores e permitem o controle da temperatura, da umidade, controlando o plantio com eficiência.
  • Acessibilidade – os pesquisadores da Universidade Tecnológica Federal do Paraná desenvolveram uma bengala inteligente que visa auxiliar pessoas com dificuldades visuais. O objeto proporciona mais autonomia, evitando que a pessoa com deficiência necessite do auxílio de outras pessoas. A bengala funciona fornecendo informações via áudio sobre a posição, nome da rua, loja de shopping, ela então conversa com o deficiente e indica o que está ao seu redor e o guia pelo caminho até o destino final.

A IOT tem ampla aplicação em vários setores e tem um potencial muito grande de melhorar o crescimento econômico dos países e garantir bem-estar para as pessoas. Por isso, é vista como um importante instrumento para se alcançar o desenvolvimento sustentável. 

Internet das coisas: riscos e questionamentos

Assim como a inteligência artificial, a internet das coisas desperta muitos questionamentos. Isso porque os riscos de segurança, riscos sociais e riscos à privacidade são consideráveis e, por isso, não podem deixar de serem discutidos. Vamos analisar alguns deles.

Segurança

A primeira pergunta que surge é: os dispositivos inteligentes são seguros? Eles estão expostos a vulnerabilidades que podem me deixar em risco?

Como vimos acima, os dispositivos têm diferentes tipos de conexão ou comunicação e isso os expõe a vulnerabilidades. E esses pontos fracos podem deixá-los suscetíveis a ataques cibernéticos que podem gerar vários tipos de danos como exposição de dados pessoais, roubo e fraudes.

Assim, os desenvolvedores de dispositivos inteligentes precisam adotar mecanismos de segurança mais efetivos. Medidas como formulários de consentimento, anonimização de dados, criptografia de dados são exemplos que podem garantir mais segurança aos dispositivos. Porém, existe o fato de que essas medidas de segurança podem encarecer os dispositivos, tornando-os menos acessíveis.

Portanto, as questões de segurança precisam ser discutidas e reguladas. Isso porque cada vez mais somos dependentes de dispositivos inteligentes para os mais essenciais serviços.

Privacidade

A IOT gera muitas questões relevantes quanto à privacidade. Isso porque a maioria dos dispositivos funcionam à base de dados pessoais e os riscos de vazamento não são baixos.

Porém, além desse risco de segurança, temos uma outra questão um pouco mais sutil e difícil de ser solucionada. É o fato de que os dispositivos fazem parte do nosso dia-a-dia e coletam dados valiosos sobre as nossas preferências e nossos hábitos. Há um verdadeiro monitoramento da nossa vida! Por exemplo, os assistentes pessoais coletam os nossos comandos de voz e conseguem escutar nossas falas. O que de fato está sendo armazenado ali e para onde esses dados vão?

Num primeiro momento, podemos pensar que esses dados têm o objetivo de melhorar a experiência do usuário, e de fato têm. Entretanto, são também utilizados para outros objetivos como marketing ou para o desenvolvimento de novos produtos, além de outros usos que talvez não temos total ciência.

E isso significa que a IOT pode ser utilizada para nos influenciar a adotar certos hábitos, fazer certas compras e daí eu te pergunto: será que temos 100% de autonomia nas nossas escolhas? Ou estamos sendo influenciados pelas tecnologias que nos rondam? Será que isso é culpa exclusivamente da tecnologia? Ou somos nós que ainda não sabemos lidar direito com ela?

Transparência e confiança

Com esses problemas de segurança e privacidade nós podemos pensar: será que podemos confiar mesmo na internet das coisas?

A falta de transparência e os riscos invisíveis realmente quebram a confiança das pessoas. Não sabemos claramente que tipo de informações estamos compartilhando e com quem. Além disso, não temos total conhecimento das vulnerabilidades dos dispositivos e quais são, de fato, os riscos que corremos.

Assim, essa falta de confiança das pessoas com a IOT deve ser utilizada para impulsionar o desenvolvimento de dispositivos mais seguros e transparentes. O IOT deve ser desenhada para ser confiável. Elas precisam proteger os nossos dados contra ataques maliciosos e, ao mesmo tempo, devem ser transparentes sobre como, porque e com quem os dados são compartilhados.

Assim, a questão que se impõe para os desenvolvedores é: como fazer a internet das coisas mais confiável?

Internet das Coisas no Brasil

No ano de 2017, o BNDS (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e os Ministérios da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações divulgaram um relatório chamado “Internet das Coisas: um plano de ação para o Brasil”. Esse relatório constatou que a IOT tem o potencial de transformar a economia e o cotidiano das pessoas de forma profunda, e é um processo irreversível.

Estudos apontam que o impacto da IOT na economia global será de 4% a 11% do Produto Interno Bruto do mundo até 2025. Esses ganhos na economia podem gerar benefícios para a sociedade, inclusive no quesito sustentabilidade. Por isso, o relatório desenvolveu um plano de ação para que o Brasil fomente o desenvolvimento da IOT, tendo em vista, também, a atingir os Objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

O relatório contemplou medidas conforme uma matriz de priorização, que envolve áreas como saúde, indústrias, aplicação rural e em cidades, em casa, etc. Para isso, o Brasil precisa destravar e estimular o desenvolvimento da IOT. O mais interessante deste relatório é que a internet das coisas foi vista, de fato, como um instrumento para alcançar o desenvolvimento sustentável, melhorando a competitividade na economia e promoção da qualidade de vida.

Plano Nacional de Internet das Coisas

Dois anos após a divulgação desse relatório, foi promulgado o Decreto nº 9.854/19 que instituiu o Plano Nacional de Internet das Coisas. Este plano tem a finalidade de implementar e desenvolver a IOT no país.

São metas desse plano:

  • Melhorar a qualidade de vida das pessoas;
  • Promover eficiência de serviços;
  • Incrementar a produtividade e fomentar a competitividade das empresas brasileiras;
  • Aumentar a integração do País no cenário internacional.

Além disso, o plano criou um observatório que monitora o progresso das políticas públicas implementadas a fim de estimular a tecnologia. E a estimativa é que esse plano promova novas oportunidades para negócios e startups.

Porém, esse plano nacional deixou de lado algumas questões jurídicas e éticas de fora. Uma das maiores preocupações é a questão da taxação desses dispositivos de IOT, que são altas e dificultam a adoção em muitos setores. Além disso, esse plano veio antes da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), ou seja, ele não regulou questões importantes de privacidade, como reconhecimento facial que é feito por alguns dispositivos.

Reconheço a importância de fomentar o desenvolvimento da tecnologia no país. Os benefícios podem ser sentidos em várias áreas desde a economia, até o bem-estar da população. Porém, me questiono se esse fomento está só no papel. Nos últimos anos não estamos vendo nenhuma melhora significativa na vida do brasileiro, pelo contrário, estamos vivendo numa profunda crise sanitária, econômica, política e ambiental. Como fomentar a tecnologia nesse caos? Não sei responder…

Internet das coisas, de fato, tem um potencial muito grande para o desenvolvimento. Porém, vemos que as oportunidades não são globais e não afetam todo mundo da mesma forma. Na verdade, conforme o relatório da ONU, as tecnologias de fronteira como a inteligência artificial e a IOT, na verdade acentuaram ainda mais a desigualdade social já existente no mundo. Por isso, um problema maior se impõe aos países em desenvolvimento como o Brasil. São necessários investimentos, recursos de infraestrutura e fortalecimento da regulação para enfrentar os desafios que a IOT nos apresenta.

Referências

Delft University of Technology – Chair Ethics Subgroup IoT Expert Group. Jeroen van den Hoven.

INTERNET DAS COISAS (IOT) E DIREITO: uma avaliação do plano de ação para o Brasil 2017/2022 sob uma visão sistêmica. Isabela Cristina Sabo, Aires José Rover.

Relatório do Plano de Ação Iniciativas e Projetos Mobilizadores. BNDES. Acesse aqui.

Technology and Innovation Report 2021. Acesse aqui.

The Internet of Things: an overview. Karen Rose, Scott Eldridge, Lyman Chapin. Acesse aqui.

The Internet of Things: Foundational ethical issues. FritzAllhoff, AdamHenschke. Acesse aqui.

Nathalia Bastos do Vale

Olá, eu sou a Nathalia, advogada e mestre em Direito Ambiental. Sou apaixonada por direito, sustentabilidade, tecnologia e design. Neste blog pessoal você encontra conteúdos aprofundados e didáticos sobre tudo que envolve o Direito e a inovação.

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