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Análise ética da economia e do meio ambiente

Num primeiro momento, o título desse post pode gerar uma certa estranheza. Análise ética da economia e do meio ambiente? Como assim juntar ética com economia? Inicialmente, vou ter que falar o óbvio novamente: estamos vivendo em uma crise. E não, não foi causada pelo Covid-19. Esse vírus só evidenciou aquilo que já não estava funcionando em nossa sociedade. Mas já tem anos que vivemos em uma crise ambiental, social e econômica.

E, nesse aspecto, precisamos pensar na sustentabilidade como uma alternativa viável para solucionar ou pelo menos amenizar o que estamos vivenciando há um bom tempo. E, se queremos, de fato, pensar no desenvolvimento sustentável, precisamos mudar o enfoque dado à economia e ao meio ambiente.  É necessário adotar uma postura crítica e reflexiva sobre os objetivos que a sociedade almeja e os objetivos que estão sendo efetivamente alcançados, questionando-se a própria conduta dos agentes econômicos. E é nessa reflexão que a ética entra.

Considerando que duas das bases estruturais do desenvolvimento sustentável são a economia e o meio ambiente, é muito importante falar um pouco sobre como a ética pode contribuir no estudo e na percepção desses elementos na busca pela sustentabilidade. Esse texto é uma adaptação de um dos tópicos de um artigo que publiquei chamado “Capitalismo, meio ambiente e bioética: é possível alcançar a sustentabilidade?”, que pode ser acessado aqui.

O que é economia?

De acordo com Gregory Mankiw, a economia é o  estudo de como a sociedade administra os seus recursos escassos. É importante levar em consideração que, na maioria das sociedades, os recursos são alocados não por um único planejador central, mas pelos atos combinados de milhões de famílias e empresas. Assim, é imprescindível, o estudo sobre como se dá a tomada de decisões e como e porque ocorrem as interações sociais.

Para alguns, a economia é puramente científica e técnica, buscando apenas avaliar a adequação entre meios e fins. O comportamento humano é visto como puramente egoísta, sendo que esse egoísmo é o que faz com que o ser humano aja em busca de seu próprio interesse, gerando as riquezas materiais. Não cabe à economia indagar ou questionar acerca dos objetivos da sociedade, pois esse não é o papel dela. É como se a economia fosse uma ciência exata, expressa em fórmulas matemáticas. Não se questiona sobre os desejos e objetivos da sociedade.

A análise puramente econômica do ser humano conclui que os indivíduos sempre querem maximizar seus interesses. Ou seja, suas escolhas estão determinadas pelo maior ou menor benefício que possam obter delas. Além disso, se o ser humano é egoísta, ele sempre vai querer mais e mais riquezas. E, quanto mais riqueza, mais a sociedade se beneficia.

A questão não é bem assim! Em primeiro lugar, não é interessante reduzir o ser humano a seu egoísmo. Temos muitos outros traços relevantes que influenciam nossa conduta.

Em segundo lugar, o egoísmo e a busca pelo próprio interesse contribui para a riqueza e para a prosperidade mas, ao mesmo tempo, cria necessidades supérfluas. E essa superficialidade e consumismo geram a exploração econômica desenfreada e a degradação ambiental.

Assim, podemos concluir que essa forma reducionista de encarar a economia e o comportamento humano não é suficiente para explicar e lidar com a complexidade da sociedade atual.

Economia e complexidade do ser humano

A economia enfatiza a importância das interações sociais para a tomada de decisões a respeito da gestão de riquezas. Toda a sociedade participa da economia. Então, a economia não pode ser cega ao fato de que o ser humano possui outras características além do egoísmo. Nós somos seres complexos, cheios de paixões, crenças, convicções, instintos e motivações, que não podem ser quantificados economicamente.

A superação dessa visão pura da economia é uma forma de reconhecer que a ética tem o seu valor. Analisar a economia por um viés ético permite que a economia se comporte como um dos instrumentos úteis para atingir fins e objetivos mais importantes à sociedade.

Análise ética da economia

“Em uma perspectiva ética da economia, não há espaço para fins que sejam prévia e arbitrariamente definidos, tais como eficiência, lucratividade, estabilidade monetária, equilíbrio das contas públicas, industrialização ou crescimento econômico”.

Daniel Damásio Borges

A vinculação entre ética e economia permite a reflexão acerca do comportamento humano e da sociedade. E isso faz com se busque avaliar quais as motivações e objetivos mais sagrados a serem alcançados pela sociedade, quais valores devem ser preservados e quais podem ser sacrificados. Além de avaliar as consequências de se abandonar o egoísmo como estrutura do comportamento humano, trazendo o altruísmo e a responsabilidade social como valores importantes.

A análise ética da economia auxilia na superação de estruturas inerentes do capitalismo, como: o egoísmo, o lucro desenfreado, a desigualdade e o acúmulo de riquezas. Ela traz concepções como a necessidade de confiança mútua, transparência e boa-fé.

Através da ética, também se indaga se a riqueza material é única forma de avaliar se uma população atingiu o seu bem-estar. É possível buscar formas alternativas de fornecer aos indivíduos a autonomia e o poder de escolha em suas vidas. A riqueza deve se transformar em instrumento para garantir ao ser humano uma vida digna.

Meio ambiente, economia e ética

A ecologia e o meio ambiente também são importantes fatores a serem analisados na busca de um desenvolvimento sustentável. A crise ambiental é de uma complexidade tal que impede uma análise simplificada.

O primeiro passo é a superação da compreensão do meio ambiente como sendo puramente um recurso escasso, que deve ser gerido de forma a obter uma maior eficiência na satisfação das necessidades humanas. Compreender o meio ambiente como um simples recurso possibilitou a destruição dos recursos naturais na busca da criação de recursos materiais, formando um verdadeiro paradoxo, no qual se destrói para criar.

O ideal de progresso trouxeram como consequência impactos ambientais nefastos e riscos globalizados e intertemporais. Isso porque as pessoas ainda pensam que a economia é autossustentável e que ela será capaz de reverter todos os efeitos colaterais que causa. Entretanto, isso não é verdade. A degradação ambiental atingiu níveis que não podem ser reparados integralmente e que geram reflexos em vários outros âmbitos da vida.

Neste sentido, a perspectiva ecológica é importante, já que possui uma abordagem holística e que leva em consideração a complexidade da realidade. Segundo Edgar Morin, um pensamento baseado na ecologia situa todo acontecimento, informação ou conhecimento em relação à inseparabilidade com seu meio ambiente, seja ele cultural, social, econômico, político ou natural. A ecologia do pensamento busca situar um acontecimento em seu contexto, avaliando a interação entre os dois.

A interação entre o homem e a natureza deve ser dar no sentido de máxima proteção e não no de máxima produção. E, neste âmbito, as leis ecológicas dos ecossistemas auxiliam na própria compreensão de mercado, já que:

  • Nos ecossistemas tudo está relacionado e é interdependente;
  • Tudo deve ir a alguma parte, ou seja, tudo tem uma destinação;
  • A natureza sabe o que faz;
  • Tanto na ecologia quanto na economia não há ganância que não custe algo.

Portanto, ao se perceber o meio ambiente como um todo conexo, orgânico em que não há hierarquia, verifica-se que as ações e modificações feitas nos diferentes ecossistemas tem o condão de alterar o equilíbrio e gerar consequências que nem sempre podem ser previsíveis e quantificadas. O reconhecimento dessa questão pode levar ao amadurecimento da noção de risco, reconhecendo-o como presente em toda a atuação humana. E, se toda a ação gera risco, precisamos adotar a precaução em nossas condutas e nos responsabilizar pelos danos.

É hora de pensar de forma interdisciplinar

O tratamento da problemática ambiental deve ser integral e interdisciplinar. Além disso, é importante que a economia e o meio ambiente tenham também um viés político.

Ao se pensar em economia e meio ambiente, devemos pensar de forma ampla e interdisciplinar. É necessário que a política realize ações para a busca de distribuição de renda, bem-estar social, qualidade de vida e preservação do meio ambiente.

Esses objetivos só serão alcançados caso se coloque a ética nas decisões políticas, de forma a buscar instrumentos para que o ser humano possa se realizar como pessoa. Além disso, pensar na ética da economia permite refletir acerca dos objetivos que devem ser perseguidos pela sociedade, pois esses não podem ser arbitrariamente definidos, mas construídos conjuntamente pela sociedade.

Referências

BORGES, Daniel Damásio. Ética e economia: fundamentos para uma reaproximação. In: AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Direito internacional e desenvolvimento. Barueri: Manole, 2005.

MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia. 3. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2005.

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 8. ed. Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2003. 128p. 

NIEVES, Isabel Cristina González. Análisis económico de la ecologia y el médio ambiente. In: AMARAL, Paulo Adyr Dias do; LEVATE, Luiz Gustavo (organizadores). Extrafiscalidade ambiental e desenvolvimento sustentável. Belo Horizonte: D´Plácido, 2014. p. 201-242.

Nathalia Bastos do Vale

Olá, eu sou a Nathalia, advogada e mestre em Direito Ambiental. Sou apaixonada por direito, sustentabilidade, tecnologia e design. Neste blog pessoal você encontra conteúdos aprofundados e didáticos sobre tudo que envolve o Direito e a inovação.

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