Blog Nathalia Bastos do Vale

Blog sobre biodireito, propriedade intelectual e sustentabilidade

Bioética, meio ambiente e saúde

Estamos vivendo uma crise de saúde global. A pandemia do Covid-19 aparece como uma séria ameaça à saúde e à qualidade de vida das populações do mundo inteiro e ainda causa impactos econômicos e ambientais sem precedentes. A pandemia vem mostrado as fraquezas e fragilidades dos nossos sistemas de saúde, das nossas instituições políticas e econômicas. Ela também vem escancarando, cada vez mais, a necessidade que temos de rever nossos comportamentos e nossos padrões de vida e de consumo. E um dos passos para isso é analisar a relação entre bioética, meio ambiente e saúde.

Refletir acerca da relação entre a bioética, o meio ambiente e a saúde é importante pois auxilia, e muito, na compreensão dos fenômenos que estamos vivendo e a forma como nos comportamos ou deveríamos nos comportar diante às frequentes mudanças. Precisamos repensar a nossa relação com o meio ambiente.

A bioética é um campo de estudo que se ocupa com as questões éticas que envolvem todos os aspectos da vida (para saber mais, clique aqui). E aqui, é importante destacar que a vida é a vida em todas as suas formas, não só a humana. Então, se falamos de vida, necessariamente nos preocupamos com o meio ambiente e também com a saúde.

A bioética surge em um momento em que se está em evidência o individualismo e o racionalismo do ser humano, aliado à ascensão da técnica e da ciência. Esse contexto favorece a existência de um pensamento e um comportamento reducionista e não complexo. Ou seja, a cultura (especialmente a ocidental) pensa a ciência e os problemas apenas em binômios, não considerando a complexidade das coisas e do conhecimento. Por exemplo, pensamos nos binômios alma-corpo, cultura-natureza, vício-virtude, beleza-feiura, e os enxergamos como se fossem completamente opostos, sem relação. Isso representa uma dualidade muito forte e prejudicial, um conhecimento compartimentado e que não considera a totalidade complexa das coisas.

Assim, temos a especificação das coisas, dos objetos e dos saberes. Qualquer objeto, problema ou saber é compartimentado em vários pedaços, em várias áreas de conhecimento específicas, que dificultam compreender a conexão entre os elementos que formam uma realidade. Por exemplo, quando estudamos na escola, temos aula de matemática, de português, de química, física, etc., que estão totalmente isoladas entre si. Existe pouco diálogo entre as áreas e isso se aflora para outros níveis de educação, onde se estuda muito sobre uma área, mas pouco sobre como ela se conecta com outras áreas. Perdemos, então, o senso do todo, analisamos somente as suas partes de forma isolada, sem compreender a interdependência entre as coisas e o conhecimento.

E por que esse pensamento dualista e compartimentado é ruim e como isso afeta minha vida?

Bem, esse pensamento reducionista e dualista se baseia em dois fatores:  o sujeito que conhece e o objeto que é conhecido. Ambos os fatores estão separados e não se conectam. O sujeito que conhece (o homem) analisa o objeto a ser conhecido de forma distante, como se não estivessem conectados e, além disso, o sujeito que conhece tem a capacidade de dominar o objeto conhecido.

Então, se formos pensar na questão da natureza, o ser humano é o sujeito que conhece e a natureza é o objeto a ser conhecido. Objeto esse que não possui valores por si só, é um mero objeto a ser explorado, que pode ser coisificado e mercantilizado. O ser humano acaba sendo o único ser com valor moral e assim, não se importa em manipular e explorar a natureza.

E esse tipo de comportamento já vem se mostrando prejudicial desde os seus primórdios. As consequências da degradação ambiental ocorrem desde a Revolução Industrial e cada vez se agravam mais. São incontáveis os prejuízos que sofremos por conta da exploração desenfreada do meio ambiente, e está mais do que na hora de repensarmos se é esse o futuro que queremos deixar para as próximas gerações.

Nossa sociedade atual precisa de um modelo de conhecimento e de comportamento que seja integrador, de forma a reconhecer o valor da natureza e reconhecer que o ser humano faz parte dela. Precisamos de um pensamento complexo, que reconheça a relação entre os objetos e as áreas do saber, que tenha noção de causa e efeito e que não seja alienado. Essa forma de pensamento possibilita um maior respeito com a natureza, e pode significar a ampliação de um conhecimento ético-filosófico que limite a exploração insustentável do meio ambiente. 

Nesse sentido, a bioética é um ramo do conhecimento que pode ajudar, e muito, a refletir acerca dessas questões. Por ser interdisciplinar, a complexidade é intrínseca à bioética, pois ela busca em outros ramos do conhecimento subsídios para suas conclusões. Ela conecta várias áreas do conhecimento para chegar às suas conclusões, analisando o problema em toda sua complexidade.

Os desafios do meio ambiente e da saúde e o papel da bioética

A atividade do ser humano vem trazendo consequências para o meio ambiente, gerando desequilíbrios. E esses desequilíbrios, por sua vez, alteram as condições de vida do ser humano e promovem impactos, principalmente na saúde.

Condições ambientais impróprias são realmente foco de doenças e afetam a saúde humana. Poluição da água, do ar, falta de saneamento básico geram uma série de doenças graves que geram mortalidade, principalmente entre pessoas de baixa renda e as que vivem na pobreza. 

Entretanto, muitos dos problemas de saúde que vivemos atualmente não tem origem patógena identificada. Muitas vezes essas origens são dispersas e diversas. A advogada Simone Murta Cardoso Nascimento explica em seu livro “Meio Ambiente e saúde” (pode ser adquirido aqui), que o ambiente adquiriu uma nova importância, ele não é mais um reservatório de agentes patógenos, mas é um ecossistema de interdependência, que envolve questões naturais, sociais, políticas e culturais. E tudo isso influencia na saúde.

Simone Nascimento explica que o próprio conceito de meio ambiente atualmente tem que compreender a saúde. As doenças são resultado da interação de variados fatores. Então, a abordagem que se deve ter para o tratamento e erradicação de doenças deve ser complexo.

José Roque Junges no artigo intitulado “Interfaces entre saúde e ecologia em tempos de crise ambiental” (o artigo está no livro “Bioética: cuidar da vida e do meio ambiente” que pode ser adquirido aqui) explica que a relação entre ambiente e saúde deve ser tratada juntamente com a questão da sustentabilidade. Isso porque a sustentabilidade leva em consideração não somente o equilíbrio ambiental, mas também o desenvolvimento social e econômico, o que forma a base da qualidade de vida. A saúde, em termos gerais, nada mais é do que qualidade e bem-estar.

Considerando que a relação entre meio ambiente e saúde se tornam cada vez mais complexa, a bioética é um ramo da ciência bastante adequado para analisar os problemas e pensar em soluções. A bioética propõe uma reflexão acerca da relação ser humano e meio ambiente, buscando ressignificá-la, trazendo o homem como elemento que compõe o meio ambiente e que influencia e é influenciado por ele.

Ao refletir sobre as questões que envolvem a bioética, o meio ambiente e a saúde, percebe-se que é necessário que as ações humanas se pautem por uma ética que considere a importância do meio ambiente, dos ecossistemas e da biodiversidade. O ser humano precisa se vincular a um senso de responsabilidade. Responsabilidade esta que precisa ser mais ampla, envolvendo não só a responsabilidade sobre os outros seres humanos, mas também responsabilidade sobre outras espécies. Nesse sentido, cita-se o filósofo Hans Jonas, que no livro “O Princípio da Responsabilidade” propõe novos moldes para a responsabilidade:

“Aja de modo a que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a Terra”.

Ou seja, o ser humano, em sua conduta, deve considerar as consequências para os outros seres humanos bem como para as outras espécies que compõem o meio ambiente. O ser humano, em nome do individualismo e do egoísmo, não pode destruir o meio ambiente de modo a impossibilitar o bem-estar das próximas gerações.

Entretanto, o que vemos é uma constante interferência no meio ambiente e crescente degradação da biodiversidade. E isso vem trazendo consequências diretas para o ser humano, especialmente quanto à saúde. E, nesse sentido, é importante explicar como a atuação do ser humano no meio ambiente proporciona a propagação de doenças e como isso está relacionado à pandemia do Covid-19. 

A degradação ambiental e a propagação de doenças: caso Covid-19

A atuação do ser humano no meio ambiente vem causando muito desequilíbrios ambientais. A atividade degradante causa poluição, contaminação do ar, do solo, da água e gera o esgotamento dos recursos naturais e redução da qualidade de vida das pessoas.

Essa degradação gera efeitos especialmente na saúde das pessoas. Pode citar como exemplo, as doenças respiratórias causadas pela poluição atmosférica, o crescente número de doenças transmitidas por vetores como mosquitos, propagação de doenças transmitidas pela água e também a contaminação de animais que fazem parte da nossa alimentação.

Um dos efeitos dessa degradação é a pandemia do Covid-19 segundo o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente). Segundo o relatório do PNUMA, as doenças transmitidas de animais para o ser humano estão crescendo e pioram à medida que o ser humano invade os habitats naturais desses animais. Ao destruir e invadir os habitats desses animais, os agentes patógenos como vírus e bactérias, se espalham com facilidade para os animais (frequentemente rebanhos) e para os seres humanos.

Esses patógenos que são transmitidos pelos animais para os seres humanos são chamados de zoonóticos. Podemos citar como exemplo o SARS, malária, dengue, zika vírus. Essas doenças são ameaças ao bem-estar animal, à saúde humana, ao equilíbrio ambiental e também ao desenvolvimento econômico.

E, nesse sentido, a maior crise sanitária dos últimos tempos foi causada por um vírus zoonótico, que provavelmente foi transmitido por um morcego que foi ingerido de forma inadequada, provavelmente mal cozido. O coronavírus vem causando impactos graves na saúde do ser humano, colapsando sistemas de saúde no mundo todo. Ainda assim também temos impactos econômicos e sociais, com a paralisação de diversos setores da economia e a consequente perda de emprego e renda de milhões de pessoas. 

Dessa forma, precisamos tomar medidas para evitar esse a propagação de doenças e evitar crises como a atual. Diminuir o consumo de produtos de origem animal, diminuir a degradação ambiental e redução de habitats, diminuir a poluição e propor medidas para diminuir os impactos das mudanças climáticas.

Precisamos compreender que nós, seres humanos, e o meio ambiente, fazemos parte de um sistema conectado. Nossa conduta impacta o meio ambiente e, em resposta, nós também sofremos as graves consequências. O padrão de degradação não pode continuar da forma como está, já estamos sentido da pior forma as consequências.

Devemos repensar o nosso papel no mundo, nos conscientizarmos de que somos uma espécie integrante do meio ambiente como qualquer outra. Ressignificar a relação do ser humano e do meio ambiente auxiliará no aumento das práticas para a conservação da biodiversidade e dos ecossistemas, melhorando, consequentemente, a nossa saúde.

Nathalia Bastos do Vale

Olá, eu sou a Nathalia, advogada e mestre em Direito Ambiental. Sou apaixonada por direito, sustentabilidade, tecnologia e design. Neste blog pessoal você encontra conteúdos aprofundados e didáticos sobre tudo que envolve o Direito e a inovação.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Voltar ao topo