Blog Nathalia Bastos do Vale

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Direitos autorais e o ECAD

Você já parou para pensar que todas as músicas que você ouve quando vai em bares, restaurantes, supermercados e eventos estão protegidas por direitos autorais? E que, por isso, esses estabelecimentos não podem propagar essas músicas livremente sem autorização? E que por isso devem pagar uma taxa de direitos autorais? Bem, hoje eu vou falar um pouco sobre a utilização de músicas em estabelecimentos comerciais e a necessidade de pagamento ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – o ECAD.

O repasse de valores ao ECAD a título de direitos autorais é um tema bem controverso. Algumas pessoas apontam ilegalidade e abusividade na cobrança, outras já entendem ser plenamente legítimo. Essa discussão foi reacendida no início dessa semana, com uma nova decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) a respeito da cobrança de valores de direitos autorais em ônibus.

Por isso, no artigo de hoje, vamos falar um pouco sobre o ECAD, como surgiu e qual sua função atualmente. Também abordaremos as controvérsias que existem sobre o tema e, claro, a decisão do STJ.

O que é o ECAD?

O ECAD é uma associação civil de natureza privada que é administrado por outras associações que representam cantores, intérpretes compositores, e outros artistas. O ECAD tem sede no Rio de Janeiro e várias unidades arrecadadoras pelo Brasil.

O trabalho do ECAD é amparado pela Lei de Direitos autorais, que autorizou a criação de um escritório central para fazer a gestão de arrecadação e distribuição dos direitos autorais. Além disso, a lei determina que esse escritório não pode ter fins lucrativos.

Assim, o ECAD realiza a cobrança de valores para distribuir para os artistas. Então, quando uma obra musical é tocada em shows, eventos, lojas, boates, cinema, restaurantes, bares, academias, hotéis e plataformas de streaming, o ECAD faz a arrecadação dos valores e faz a retribuição autoral para cada artista.

O ECAD é administrado por sete associações que representam todos os compositores, intérpretes, editores, produtores fonográficos e músicos filiados. Essas associações realizam assembleias e definem regras e critérios de arrecadação de valores e como serão distribuídos.

Assim, o ECAD calcula os valores a serem pagos, faz a arrecadação de direitos autorais e distribui os valores para as associações. E, por sua vez, as associações remuneram os seus filiados.

Por que é necessário pagar direitos autorais ao ECAD?

Bem, os direitos autorais protegem os autores e permitem que estes regulem a forma como suas obras poderão ser produzidas. Assim, a lei proíbe a divulgação de alguma música sem a autorização de seu titular.

Além disso, a lei de direitos autorais permite que os autores, criadores e artistas recebam a remuneração pelo uso e divulgação de suas obras. Assim, quando uma música é divulgada publicamente por terceiros, este tem a obrigação de pagar direitos autorais, o que é feito pelo ECAD.

Quem deve pagar o ECAD?

O ECAD cobra taxas de direitos autorais sempre que há execução pública de músicas. Então, vários estabelecimentos estão sujeitos ao pagamento, como:

  • Bares e restaurantes;
  • Lojas e supermercados;
  • Cinemas;
  • Academias, clubes e salões de beleza;
  • Emissoras de rádio e televisão;
  • Casas de show e boates;
  • Hotéis, cruzeiros;
  • Shoppings centers;

Enfim, qualquer estabelecimento que toque música para o público deve pagar as taxas do ECAD. E aqui vale o destaque: eventos como casamentos, bailes de formatura e outros eventos sociais devem pagar o ECAD, inclusive quando há bandas tocando repertórios autorais de outros artistas.

Como é calculado o valor do pagamento?

O valor do pagamento considera alguns fatores como:

  • Local onde a música é tocada;
  • A importância da música para o negócio;
  • Ramo da atividade;
  • Tipo de utilização musical;
  • Região socioeconômica do estabelecimento;
  • Capacidade do público;
  • Valor arrecadado com ingressos, no caso de eventos, por exemplo;
  • Duração do evento;
  • Tempo de uso das músicas.

Considerados esses elementos, é também necessário averiguar em qual categoria o negócio ou evento se enquadra. Ele pode ser:

Permanente – que são aquelas pessoas que usam música de maneira constante e habitual, como boates, bares, shoppings.

Eventual – são os que utilizam as músicas eventualmente. Por exemplo uma empresa que realiza um evento específico.

As pessoas sujeitas a pagar taxas devem procurar uma unidade do ECAD próxima para fornecer informações de como a música é utilizada para que seja realizado o cálculo. O pagamento pode ser mensal, no caso de uso permanente de música, ou eventual, quando são realizados eventos e shows (aqui você só pagar quando realizar o evento).

Neste site aqui você pode ver a tabela de valores de pagamento do ECAD. Encontre qual setor a sua atividade se encaixa para saber o valor a ser pago.

E se eu não pagar a taxa ao ECAD?

O ECAD possui fiscais para monitorar as atividades realizadas em estabelecimentos comerciais. Se esses fiscais verificam que o estabelecimento não realiza o pagamento de direitos autorais, eles podem aplicar multa de 10%, juros e atualização monetária sobre o valor devido.

Além disso, a pessoa que executa música publicamente sem o pagamento de direitos autorais está sujeitas às sanções da Lei de Direitos Autorais e ao Código Penal. Essas leis estabelecem o pagamento de multa, indenização por danos materiais e morais, e ainda há a possibilidade de cumprir pena de detenção segundo o Código Penal.

Então, é necessário ficar bastante atento antes de divulgar músicas em seu estabelecimento comercial.

Críticas ao ECAD

Apesar de estar autorizado por lei, muitas pessoas criticam as atividades que o ECAD desempenha.

O primeiro ponto de crítica é com relação ao poder fiscalizatório do ECAD. Existe um termo no direito administrativo chamado poder de polícia. Esse poder de polícia é do Estado e seus órgãos, permitindo que eles façam a fiscalização em várias áreas e aplicação de multas. O poder de polícia é essencialmente público e não deve ser delegado a um ente particular como o ECAD. Por isso, muitos questionam a legitimidade da fiscalização que o ECAD faz nos estabelecimentos.

Outro ponto relacionado aos fiscais do ECAD é: quem supervisiona as suas atividades? E quem garante que os artistas estão realmente sento remunerados de forma justa? Por conta desses questionamentos, muitos especialistas defendem a ideia de um controle governamental do ECAD.

A atividade do ECAD é legal e está prevista em lei. Porém, ela poderia ser supervisionada por um órgão público. Uma fiscalização externa pode garantir maior transparência ao ECAD e impedir condutas ilícitas.

As críticas não são apenas de especialistas do Direito, mas também de artistas que não concordam com o modelo do ECAD. Eles alegam que o ECAD favorece grandes corporações e quem deveria estabelecer os critérios de cobrança são os próprios autores, titulares de direitos autorais.

Creio que existem muitas questões que envolvem o ECAD. A primeira que me chama a atenção é realmente a falta de fiscalização da própria entidade. Se não tem nenhum órgão que a fiscalize, a ocorrência de irregularidades pode ser bastante alta. Assim, uma entidade que tem o papel de promover a música e valorizar os artistas pode não estar cumprindo o seu papel devidamente.

Outra questão que me chama a atenção é a própria Lei de Direitos Autorais. Essa lei é de 1998 e não trata sobre nenhuma das novas tecnologias que temos com o avanço da internet. Assim, não há regulamentação clara sobre plataformas de streaming como spotify e netflix, sites como youtube, instagram e blogs, o que pode gerar muita insegurança jurídica.

Por isso, creio que uma discussão mais aprofundada sobre as novas tecnologias e os direitos autorais é urgente. É necessário criar regras mais atuais, que satisfaçam os anseios da sociedade e regulamentem os atuais problemas que surgiram.

Decisão do STJ sobre ECAD e os ônibus

Vamos agora falar sobre a recente decisão do STJ sobre a cobrança de direitos autorais em ônibus.

Bem, essa controvérsia é antiga e vem de um processo no Tribunal de Justiça do Ceará. Este Tribunal decidiu que as empresas de transporte coletivo devem pagar direitos autorais quando transmitem programação de rádio ou TV dentro dos veículos. O Sindicato das Empresas de Transporte do Ceará não se conformou com a decisão e o tema foi parar no STJ.

Na segunda-feira, dia 15, o STJ proferiu a seguinte decisão:

“Os ônibus de transporte de passageiros são considerados locais de frequência coletiva para fins de proteção de direitos autorais, o que gera dever de repasse ao ECAD.”

Os ministros entenderam que a execução de obras musicais ou audiovisuais dentro dos ônibus não se enquadra nas exceções do art. 46 da Lei de Direitos Autorais. Lembrando que esse artigo fala das hipóteses em que o uso de obras não viola direitos autorais, como por exemplo a reprodução de música no ambiente familiar.

Assim, para que sejam executadas as músicas e programas de rádio e TV, os donos dos ônibus precisam de autorização prévia e expressa do autor, o que faz com que seja necessário o pagamento de direitos autorais ao ECAD.

Além disso, o STJ entendeu que os ônibus são locais de frequência coletiva, ou seja, públicos. Dessa forma, as empresas que exploram transporte coletivo de pessoas e executam obras musicais ou audiovisuais dentro dos veículos, devem repassar ao ECAD os valores devidos a título de direitos autorais.

Eu entendo que a decisão foi acertada. Realmente não há como distinguir um estabelecimento comercial, como bar e restaurante, de um ônibus. Todos eles têm natureza comercial e são locais de frequência coletiva. A lei foi interpretada corretamente, e não vejo nenhuma exceção que poderia isentar as empresas de transporte público do pagamento ao ECAD.

Porém, deixo aqui registradas as minhas críticas quanto ao ECAD em si, seu funcionamento e a falta de fiscalização. Creio que é sim necessário que os artistas sejam remunerados pela execução de suas obras e acredito que devem ser buscadas formas mais eficientes e transparentes de fazer isso. Além disso, acho que já passou da hora de atualizarmos um pouco a legislação de direitos autorais.

E você, o que acha do assunto?

Referências

O que é o Ecad? E por que ele está cobrando direito autoral de blogs? – Felipe Ventura. Acesse aqui.

A ilegalidade das cobranças do ECAD – Cristiane Prestes Machado. Acesse aqui.

Nathalia Bastos do Vale

Olá, eu sou a Nathalia, advogada e mestre em Direito Ambiental. Sou apaixonada por direito, sustentabilidade, tecnologia e design. Neste blog pessoal você encontra conteúdos aprofundados e didáticos sobre tudo que envolve o Direito e a inovação.

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