Blog Nathalia Bastos do Vale

Blog sobre biodireito, propriedade intelectual e sustentabilidade

Diálogos entre Direito e Literatura: bioética e a condição humana

Ontem, dia 23 de abril, foi dia mundial do livro. Então, nada mais adequado do que falar um pouco sobre Literatura. Literatura vem da palavra em latim littera, que significa letra. E a literatura pode ser compreendida como uma expressão artística da palavra. Em forma de textos, livros, prosas, poesia, contos, ou cordéis, a Literatura está presente na vida da sociedade desde os primórdios da sociedade e contribui para moldar intelectualmente e culturalmente o ser humano. Mas você sabia da ligação entre direito e literatura?

Pensamos na Literatura como uma expressão artística, cultural, menos formal e mais estética. E, em contrapartida pensamos o Direito como uma expressão altamente teórica, dogmática, formal e científica. Só que o Direito pode se valer muito da literatura para se expandir, para se aperfeiçoar e evoluir.

Hoje, o tema “Direito e Literatura” é um relevante campo de pesquisa acadêmica. Os operadores do Direito perceberam a importância de estabelecer um diálogo entre o Direito e a Literatura, lançando uma luz totalmente nova e interdisciplinar à ciência jurídica.  Guilherme Augusto de Vargas Soares explica em seu artigo “Diálogo entre Direito e Literatura: uma interdisciplinaridade promissora”, que a Literatura, através do seu caráter plurissignificativo e sua linguagem conotativa, propõe um repensar da realidade, ampliando a visão de mundo de um indivíduo e guiando-o em caminhos antes desconhecidos. A Literatura permite um diálogo entre leitor e escritor, que se unem através das experiências e das impressões sobre a realidade, auxiliando também no autoconhecimento do leitor.

Para quem quer se aprofundar mais no assunto, sugiro ir no site da Rede Brasileira de Direito e Literatura (RDL) que, além de unir vários trabalhos sobre a temática, desenvolve pesquisas e eventos.

Confesso que sempre gostei muito de ler e sempre gostei muito de livros de ficção que envolvem magia, bruxos, elfos e batalhas no estilo medieval. Com o passar do tempo, os gostos vão mudando, comecei a apreciar mais livros de suspense. E, então, cheguei aos clássicos góticos de Edgar Allan Poe, Bram Stoker e Mary Shelley. Hoje, descobri um outro tipo de preferência literária: a literatura distópica.

A distopia é um gênero que retrata basicamente um universo futurístico, em que a humanidade vive em condições precárias, muitas vezes controlada pelo Estado que explora a classe trabalhadora. O cenário de catástrofe retratados nos textos distópicos pode ter diversas origens: revoluções, guerras, devastações ou alta tecnologia. O interessante é que a literatura distópica é um prato cheio para quem quer repensar a realidade presente e enxergá-la com uma visão mais crítica. E, para mim, que sou estudiosa da bioética e do biodireito, as distopias acabam sendo fontes inspiradoras para pesquisa. Falarei um pouco de uma das obras que fiz um paralelo entre direito e literatura a seguir.

Bioética e condição humana a partir do livro “Androides sonham com ovelhas elétricas”

Uma dessas inspirações para pesquisa e o desenvolvimento de trabalho acadêmico, foi o livro “Androides sonham com ovelhas elétricas” de Phillip K. Dick. Esse livro é uma obra distópica que relata um planeta Terra dizimado pela guerra nuclear, poluído por poeira radioativa e onde o meio mais seguro de sobrevivência é a migração para o planeta Marte.

Livro “Androides sonham com ovelhas elétricas?”

O livro representa as fronteiras da tecnologia, os limites os quais a humanidade não deseja e não está preparada a enfrentar. Esse tipo de livro nos faz questionar a nossa realidade, pois as novas tecnologias, apesar de trazer muitos benefícios para a sociedade, trazem consigo o risco e questionamentos acerca dos limites que vem sendo ultrapassados dia após dia. Esse tema é bem afeto à bioética, e foi tratado um pouquinho neste artigo aqui.

Os personagens que ainda se encontram na Terra, enfrentam uma realidade deplorável, com recursos naturais escassos. Interessante destacar que as pessoas, na tentativa de ter uma vida menos dolorosa, podem se valer das caixinhas de humor, que são artefatos capazes de dosar o bem-estar de um indivíduo conforme ele deseja. Outro ponto de destaque do livro é a quase completa extinção dos animais. Possuir um animal de verdade e não um elétrico, falso, é símbolo de status e é um dos grandes objetivos do personagem principal da obra, o caçador de androides Rick Deckard. Rick tenta encontrar sentido à sua vida e um alento à sua existência, buscando incessantemente, através do seu trabalho, substituir a sua ovelha elétrica por um animal de verdade, o que é completamente fora da sua realidade financeira.

A coisa que mais sonhava no mundo era ter um cavalo, de fato qualquer animal. Ser dono de uma fraude era algo que ia gradualmente desmoralizando qualquer um. No entanto, do ponto de vista da sociedade, era necessário, dada a ausência de um artigo autêntico. Rick Deckard.

Mesmo estando praticamente inabitável, a sociedade que povoa a Terra ainda continua sendo manipulada por programas de TV, e também a uma religião, chamada mercerismo. E, outro ponto interessante é a existência de androides, criados à semelhança humana e são criados unicamente para servir os seres humanos habitantes de Marte. Os androides vivem uma vida marginalizadas e acabam fugindo das colônias para se misturar aos humanos e tentar sobreviver na Terra.

Na Terra, esses androides são perseguidos e aposentados, sendo essa a função do personagem principal Rick Deckard, caçador de recompensas. Entretanto, o que ocorre é que cada vez mais os androides se parecem com seres humanos e o que é o principal parâmetro para distinguir um androide e um ser humano é o teste Voight-Kampff, que mede a empatia. A partir dessa situação, um questionamento fica: até que ponto existe diferença entre o orgânico e o artificial? Será que a empatia é de fato um critério suficiente para definir o ser humano?

Bem, o objetivo desse post não é, de fato, fazer uma resenha sobre esse livro, mas sim, pegar alguns aspectos trazidos por ele e fazer uma discussão entre a bioética e a condição humana frente ao planeta terra.

A poeira radioativa, a escassez de recursos naturais, o quase extermínio dos animais, a migração para marte, o sintetizador de humor, a caixa de empatia e a criação de animais elétricos e de androides programados e tão avançados que se apresentam no limiar entre artificial e o humano, são elementos de uma realidade que é descrita de forma degradante e indesejável. E, apesar desses elementos parecerem muito distantes da realidade atual, eles são extremamente plausíveis quando refletimos acerca dos caminhos que estão sendo trilhados pela sociedade atual.

Assim, tomei a realidade retratada por Phillip K. Dick como uma realidade indesejada, a qual não queremos de forma alguma atingir. E para tentar alcançar esse objetivo, é necessário que nós repensemos as atitudes que estão sendo tomadas hoje. Ou seja, precisamos criticar a nossa realidade e reinventá-la de uma forma melhor e mais sustentável.

Eu, como pesquisadora do desenvolvimento sustentável, entendo que ele, por ter o objetivo de atingir uma sociedade economicamente desenvolvida, com altos índices de bem-estar social, aliados com a conservação da natureza, é sim uma saída para se evitar o colapso e chegar a essa sociedade catastrófica. O desenvolvimento sustentável envolve a garantia de direitos individuais, a liberdade, a vida e a dignidade humana, portanto é um objetivo que demanda uma revolução em todos os aspectos da nossa vida. Para saber mais sobre o assunto, clique aqui.

Entendo que a mudança de atitudes e práticas necessárias para se atingir a sustentabilidade, só será possível a partir do momento em que o ser humano comece a repensar a sua relação com o meio ambiente e questionar a sua condição humana. É necessário que a gente reflita sobre nossa condição, o que nós somos e como nos relacionamos uns com os outros e com as outras espécies. Precisamos reavaliar nossos comportamentos.

As características mais preponderantes da sociedade atual podem ser identificadas como a preocupação exacerbada com o ter, com o apropriar, com o lucro, com o descobrir e o manipular. Isso demonstra que cada vez mais o homem se coloca como o centro de existência, distanciando-se cada vez mais do reconhecimento como ente pertencente ao todo. A falta de identificação com a natureza facilita a existência de condutas exploratórias e dominadoras, o que já se apresenta como extremamente prejudicial e representa um perigo sem precedentes.

A mudança é urgente, precisamos realizar uma ruptura com essa realidade. E o primeiro passo é pensar de forma profunda sobre quem realmente somos e o nosso lugar no mundo. 

Edgar Morin é um filósofo que trata principalmente sobre a teoria da complexidade. E um dos seus focos é refletir sobre a condição humana. Para ele, o ser humano não é uma espécie que está acima das outras espécies. O ser humano é uma espécie como as outras e que vive de forma interdependente a todo o ecossistema. O ser humano faz parte da natureza e a natureza faz parte do ser humano. Somos compostos também pela cultura, pela sociedade e por nossa individualidade, mas isso não exclui o nosso componente natural, orgânico e biológico, que nos faz ser semelhantes a qualquer outra espécie de animal e vegetal.

Edgar Morin defende que a crise ética da sociedade atual é devida à desarticulação entre o indivíduo, a sociedade e a espécie. Isso porque existe uma sobreposição do indivíduo sobre os outros, fazendo com que o homem perca o seu referencial de espécie. É necessário um trabalho de religação, o ser humano precisa volta a se religar com o outro, com a comunidade, com a espécie humana e com o meio ambiente. Somente através dessa reflexão da condição humana, é possível construir um senso ético com relação à natureza.   

Perceber, portanto, que somos também natureza e que as agressões perpetradas a ela também nos atinge é o passo crucial para que nós possamos mudar de atitude e de comportamento em busca de um mundo melhor. E também evitar um futuro catastrófico. 

Essa análise está bem mais aprofundada no artigo “Bioética e condição humana: diálogos a partir de “Androides sonham com ovelhas elétricas?”, que escrevi em coautoria com a minha orientanda Jade de Oliveira Rocha, bolsista no grupo de pesquisa em que eu era coordenadora, “Bioética, propriedade intelectual e biotecnologia: caminhos para o desenvolvimento sustentável” .

O artigo já está disponível para leitura, é só clicar neste link.

Nathalia Bastos do Vale

Olá, eu sou a Nathalia, advogada e mestre em Direito Ambiental. Sou apaixonada por direito, sustentabilidade, tecnologia e design. Neste blog pessoal você encontra conteúdos aprofundados e didáticos sobre tudo que envolve o Direito e a inovação.

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